Thiago (centro) vence os 60m no Brasileiro entre Bardi (esq) e Erik (dir). Foto de Gustavo Alves/CBAt

Primeiro brasileiro a completar 100m abaixo de 10 segundos, Erik Cardoso conheceu o atletismo na escola, aos 10 anos. Felipe Bardi ainda mais cedo, aos oito. Paulo André Camilo, filho de um ex-velocista, aprendeu a correr ainda nas fraldas.

Enquanto eles já eram a base do revezamento 4x100m, disputavam Olimpíadas e conquistavam títulos internacionais expressivos, Thiago Gobatti, de mesma idade, curtia a vida universitária. Bebia com frequência e fumava um maço de cigarro por dia.

Até os 22 anos, o estudante de Direito da UEL (Universidade Estadual de Londrina) nunca havia feito qualquer treino de atletismo. Ainda que tivesse treinado judô na infância e jogasse futsal, vôlei e handebol pela atlética da faculdade, jamais fora atleta, de fato.

Em pouco mais de três anos – menos de um ciclo olímpico –, Thiago conseguiu uma reviravolta raríssima no esporte. Virou atleta de elite, lidera o ranking nacional nos 60m rasos e vai disputar o Mundial Indoor na semana que vem. E ainda deu tempo de terminar a faculdade e passar de primeira na OAB (sem estudar).

“No começo pareceu um hobby, porque dei sorte de ser um período da vida no qual a ‘vida real’ não era muito preocupante. Eu estava na faculdade, só precisava treinar e fazer estágio. Pensava sempre no futuro mais próximo, na prova seguinte, no treino seguinte”, contou ele ao Olhar Olímpico.

Natural de Araraquara (SP), Thiago sempre foi competitivo, e por isso mesmo nunca quis se federar no judô. Tinha medo de perder. Na faculdade, competiu em todos os esportes que cabiam na agenda – teve que abrir mão de fazer parte do time de basquete. Na real, nunca quis se dedicar a nada. Sabia que era rápido, mas, fumante, não se empolgou em treinar com a equipe de atletismo da UEL.

A pandemia, sempre ela, virou a vida de Thiago, que voltou para a casa dos pais, parou de beber e fumar, e passou a frequentar academia. Também deu uns tiros de corrida na rua de casa. Ia até a esquina e voltava para o portão. “Até mandei um vídeo para o técnico da UEL, o Túlio Moura, que é um treinador conceituado, coordenador do NAR [e sobrinho do técnico campeão olímpico Nélio Moura], mas não quis incomodar o cara e não dei continuidade.”

O hoje velocista considera que seu início no atletismo foi no fim de 2021, quando viu pelo Instagram que uma amiga estava correndo na pista da cidade, treinada pelo ex-barreirista Eder Antonio de Souza, olímpico na Rio-2016. Foi fazer um teste.

“Eu fiz um treino e o Eder falou: ‘Meu, acho que tem potencial. Você topa a gente começar a treinar sério?’ Eu estava no meio da faculdade, estudando à distância, e topei. Hoje eu digo que esse cara é o responsável por tudo que deu certo. Porque se eu me visse aos 22 anos eu jamais teria visto algum potencial. Eu não era bom para os parâmetros comparativos de atletas aos 22 anos de idade. Que bom que acreditei nele e segui treinando.”

Thiago logo mostrou ser um atleta fora da curva. Com menos de seis meses de treino, já corria os 100m na casa de 10s. Mesmo levando o atletismo ainda como hobby. Estudava de manhã, estagiava no Ministério Público à tarde, e só depois se deslocava até Cambé (PR) para treinar, já que não tinha autorização para utilizar a pista de Londrina.

Aos poucos, o atletismo virou prioridade. Tanto que passou no exame da OAB, mesmo indo competir nos dias anteriores às provas, mas nunca tirou a carteirinha. “Disse aos meus pais que queria tentar o esporte. A OAB está garantida. Quando tudo errado, tenho um plano B, que é o plano A de muita gente, que é ser advogado”.

A advocacia, porém, parece ter sido rebaixada a plano C. Thiago hoje é, antes de tudo, atleta. Mas é também treinador de atletismo, seu próprio treinador. Investe em equipamentos o que ganha pela bolsa atleta da prefeitura de Araraquara (SP).

“Comprei um sistema eletrônico, de chip, e após todo treino eu sento e analiso meus treinos, vento, estado de prontidão, medição de fadiga, vejo vídeo para análise técnica. É um milhão de fatores para poder dizer se melhorei, se não melhorei, o que preciso fazer”, conta. Também cuida dos parâmetros de sono, descanso, alimentação, recuperação…

Os detalhes dos treinos são levados com leveza ao Instagram, onde Thiago conquistou mais de 10 mil seguidores antes mesmo da primeira convocação à seleção brasileira. Os vídeos que furam a bolha são de humor, mas o objetivo vai muito além de divertir.

“Não vou mudar a cabeça das pessoas através de palestra, então estou tentando mudar através de exemplo. No Instagram o que funciona é entretenimento. Então comecei com conteúdo mais raso, criei meu canal da comunidade, e ali compartilho os papers que estou lendo, meus treinos, tenho um espaço mais sério.”

Tudo é pensado para um planejamento de quatro anos, mirando Los Angeles 2028. Até o final de 2026, o objetivo é estar consolidado na seleção brasileira – quer sair das competições classificado, sem ficar torcendo para pegar a última vaga no revezamento. Depois, pretende que 2027 e 2028 sejam anos de consolidação internacional.

Ousado? Sim, mas o começo é promissor. Em fevereiro, Thiago venceu o Campeonato Brasileiro de Provas Similares ao Indoor nos 60m, correndo a distância em 6s60, marca que o colocou no sétimo lugar do ranking brasileiro de todos os tempos e o classificou à sua primeira seleção brasileira, para o Mundial Indoor que vai acontecer na semana que vem, na China.

Ele mesmo sabe, porém, que o tempo não quer dizer muito. Na falta de um espaço indoor no Brasil, a prova foi realizada ao ar livre e com vento forte a favor, de +1,7m/s, perto do limite de 2,0m/s. Só que a condição valia para todo mundo e foi Thiago a vencer com 6s60, deixando para trás os olímpicos Lucas Vilar, Erik Cardoso e Felipe Bardi, entre outros.

Foi a primeira (e até única) experiência de Thiago nos 60m, que tem na largada seu ponto forte e, por isso, já tinha expectativa de se destacar na prova mais curta. O trabalho, claro, é para brilhar nos 100m, em que tem 10s40, de agosto do ano passado, como melhor da carreira.

Para chegar ao 10s0 que acredita que o faria se firmar na seleção nos próximos dois anos, Thiago aposta em um método incomum no atletismo brasileiro. Na base, período no começo da temporada em que o corpo é preparado para aguentar a fase mais aguda de treinamentos e competições, ele não prioriza a resistência, o cardiovascular.

“O que se faz no Brasil é justificar ser devagar no começo do ano para melhorar depois. Como eu vim de fora do atletismo, não peguei o que tá embutido na cultura da modalidade e fui estudar fisiologia do exercício, princípios de treinamento, especificidade, periodização, e aplico isso no meu treinamento”, explica.

Thiago, que rejeita a tese do “ganhar depende de você querer ou não” e se baseia em dados, diz também que não fez projeção de tempos para sua primeira competição internacional, o Mundial de Nanjing. Sabe que está melhor do que estava na seletiva, mas que desta vez não haverá vento.

Ele, que até hoje só competiu em São Paulo, Paraná e Mato Grosso, reconhece que está “extremamente ansioso” pelo seu primeiro evento no exterior: um Mundial na China. “É um ansioso legal porque antes de ser bom em alguma coisa eu tenho que ser iniciante em alguma coisa. Um Mundial, do outro lado do mundo, em um país culturalmente muito diferente, mas eu acredito em construção de repertório e acho que nenhuma outra experiência poderia me dar tanto.”

Uma resposta para “Advogado supera rivais olímpicos e vai a Mundial três anos após começar no esporte”.

  1. Avatar de Luana Francisca de Souza
    Luana Francisca de Souza

    Demetrio que prazer ler seus textos sobre os esportes olimpicos!

    Eu como ex atleta amadora de atlestimo fico sempre feliz em ver você tratando com tanto respeito, profissionalismo e carinho essa modalidade que eu tanto amo!

    Sucesso pro Olhar Olimpico!

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