206 países participaram da última Olimpíada. Outros tantos sonham, mas não têm o direito de competir sob suas bandeiras, por não serem independentes ou não terem sua soberania reconhecida internacionalmente.

Já o Vaticano, um estado soberano, quase centenário, independente política e administrativamente, só nunca disputou as Olimpíadas porque nunca quis. Ao menos até o papado de Francisco, que lançou as bases para uma futura participação olímpica.

Em junho de 2022, Sara Carnicell (de cabelo cacheado na foto abaixo), filha de uma burocrata da Santa Fé, se tornou a primeira atleta a representar o Vaticano em uma competição internacional. Ganhou (mas não levou) a medalha de bronze nos 5.000m no Campeonato dos Pequenos Países da Europa, um torneio entre as federações de atletismo… dos pequenos países europeus.

Como o Vaticano não tem uma entidade do tipo para aparecer no quadro de medalhas, Sara correu sem competir – em bom português: participou como café com leite.

O menor país soberano do mundo, em área e população, tem dado passos do tamanho de suas possibilidades no esporte, porém.

Lançamento do clube do Vaticano

O primeiro deles foi um acordo, em 2019, com o Comitê Olímpico da Itália (CONI) para a criação da Atletica Vaticana, que ao mesmo tempo é o “clube” da Santa Fé, reunindo pessoas (padres, freiras, guardas suíços e outros funcionários) que se encontravam para correr ou pedalar nas redondezas, e um embrião de um comitê olímpico.

A partir da liderança de um funcionário do Hospital Menino Jesus, Emiliano Morbidelli, a Ciclismo Vaticano se tornou, em 2021, uma federação nacional membro da UCI (União Ciclística Internacional).

No ano seguinte, Rien Schuurhuis (da foto que abre o texto) se tornou o primeiro atleta do Vaticano a disputar um Campeonato Mundial.

Holandês e ciclista profissional de terceiro escalão, Rien mudou-se para Roma em 2020, acompanhando a esposa, embaixadora da Austrália junto à Santa Fé. O “ciclista do Papa” competiu nos Mundiais de Ciclismo de Estrada de 2022, 2023 e 2024. Nunca terminou a prova, mas o importante, literalmente, é competir.

“Estamos lançando as bases, construindo os blocos; criando uma comunidade. Há muitas questões que precisam ser resolvidas, tanto do nosso lado quanto do lado do COI”, disse, em entrevista em 2022, o monsenhor José Sanchez de Toca y Alameda, espécie de ministro do Esporte do Vaticano.

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Antes, em 2019, ele havia deixado claro que o objetivo não seria ganhar medalhas. “Nosso comitê olímpico seria acima de tudo simbólico. Mas isso mostraria que os valores do Olimpismo podem ser compartilhados pelos cristãos.”

Para ter um comitê olímpico nacional reconhecido pelo COI, o Vaticano, em tese, precisa antes ter federações nacionais reconhecidas por cinco federações internacionais como a UCI.

Em tese porque, atualmente, essa é uma regra sem qualquer outra aplicação. Todos os demais países elegíveis para os Jogos Olímpicos já estão dentro e os demais que poderiam cumprir a regra (como Gibraltar, Macau, Taiti, Guiana Francesa, etc) são vetados por não serem reconhecidos internacionalmente como soberanos.

(Até tem um país de 1,5 mil habitantes na Oceania que também pode, mas a discussão agora não é essa)

No Vaticano, um país com menos de mil habitantes e nenhuma estrutura esportiva, o comitê olímpico nacional ainda não foi criado, mas os passos têm sido dados. O país também se associou à World Taekwondo (ainda que não haja nenhum atleta federado) e tende a, em breve, buscar a filiação à World Athletics.

Por enquanto, o país segue como “observador” de competições como o tal Europeu de Pequenos Países. No ano passado, cinco atletas do Vaticano participaram do evento, incluindo Morbidelli, o dirigente do ciclismo, e Schuurhuis, o ciclista holandês, todos em categorias máster.

O que o Vaticano não abre mão é de só permitir que compita pelo país quem de fato é cidadão do Vaticano.  “Nossos atletas são cidadãos, residentes e trabalhadores do Vaticano, ou seus parentes de primeiro grau”, afirmou o monsenhor. O padre da sua cidade não pode competir pelo Vaticano (poxa).

Nos últimos anos, o Vaticano também se filiou à Federação Internacional de Padel, um esporte de raquete bastante popular na Espanha e na Argentina de Francisco. Uma equipe do Vaticano chegou a jogar um amistoso contra San Marino no ano passado em preparação para as eliminatórias do Europeu, mas acabou não fazendo sua estreia oficial.

Além disso, o Vaticano tem alguma história no críquete, esporte popular nas ex-colônias inglesas e que será olímpico em Los Angeles.

A equipe do Vaticano, formada em 2008, já fez inclusive excursões internacionais e, este mês, venceu em amistoso o time do parlamento britânico. Os jogadores são, em sua maioria, párocos da Ásia Meridional que estudam no Vaticano.

No futebol masculino, o Vaticano tem um campeonato nacional desde os anos 1970, jogado por times de funcionários de departamentos (arquivo, museu, universidade, hospital, etc). O torneio é, naturalmente, amador, e cada time pode ter um goleiro importado.

A seleção de melhores jogadores do Vaticano joga amistosos de vez em quando, a maioria deles contra Monaco, outro país que, por vontade própria, não é filiado à Uefa e à Fifa.

No caso do Vaticano, a rejeição tem a ver com a alta competitividade na modalidade. Ao menos no futebol de seleções, não há espaço para a forma como Francisco via o esporte.

“O verdadeiro esporte, amador, é um grande revezamento na ‘maratona da vida’, com o bastão passando de mão em mão, cuidando para que ninguém fique para trás, ajustando o próprio passo ao passo do último”, escreveu Francisco no prefácio de um livro recentemente lançado na Itália sobre o esporte.

Olimpíada dentro do Vaticano?

Quando Roma estava se candidatando para receber os Jogos Olímpicos de 2024, a imprensa italiana aventou a possibilidade de o tiro com arco acontecer na Praça São Pedro.

O  cardeal português José Saraiva Martins chegou a colocar o Vaticano à disposição para receber provas das Olimpíadas, sugerindo o tiro com arco nos jardins do Vaticano (boa parte do país é jardim) ou na casa de veraneio do papa.

A ideia foi descartada pelo presidente do Comitê Olímpico Italiano, porém. “Não seria certo envolver o Vaticano na nossa candidatura. Muçulmanos, hebreus, católicos, todos serão coprotagonistas”, afirmou, com razão – vai que o Deus católico resolve dar uma forcinha.

Na época, em 2014, Francisco desejou sorte a Roma, mas disse que não estaria vivo para ver a competição. Errou o presságio e viu Paris organizar os Jogos e uma cerimônia de abertura que a Santa Fé, sob sua gestão, chamou de “deplorável” por ofender a fé dos cristãos.

O problema foi uma reprodução da Santa Ceia com gays e travestis. Essa da foto abaixo.

Será que o Vaticano conseguirá conviver, nos Jogos Olímpicos, com o mundo como ele é? Fica a discussão.

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