Time americano do 4x100m misto no Mundial de Revezamentos (Christian Petersen/Getty Images for World Athletics)

No Pan de Santiago, destaquei em uma matéria o que vinha fazendo de novo o México, grande surpresa do quadro de medalhas até então.
 
No dia seguinte, quando me encontrou, um dirigente brasileiro me apontou que a matéria deixava de fora o mais importante: o México avançava no quadro de medalhas porque jogava com o regulamento debaixo do braço, dominando esportes que só estão no Pan porque são relativamente populares no México, como pelota basca e raquetebol. (A matéria, que sigo achando bem legal, pode ser lida aqui)

O quadro de medalhas de uma competição como o Pan, como os Jogos Olímpicos, permite isso.

Há quem jogue com o regulamento debaixo do braço, como o Uzbequistão, que foca tudo nas lutas, ganhou medalhas em cinco esportes em Paris e ficou à frente do Brasil, que ganhou em 10.

E há quem faça o regulamento.

Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, os EUA têm poder maior sobre o regulamento do que qualquer país já teve em qualquer edição dos Jogos Olímpicos. Porque está em vigor a Agenda 2020, que trouxe boas novas dinâmicas para a organização de uma Olimpíada a partir dos Jogos de Tóquio, e porque a NBC, que transmite o evento para os EUA e é sócia de LA28, é a principal fonte de dinheiro do COI.

Foi o comitê organizador (logo, os americanos) quem incluiu no programa, por decisão (e custas) própria, lacrosse (um esporte criado e jogado na América do Norte), beisebol (têm a maior liga do mundo) e futebol americano (hahaha). Também entraram, na conta dos norte-americanos, o críquete e o squash.

Agora, é o COI quem assina a decisão de inclusão de 15 novas provas no programa olímpico. A maior parte delas em esportes em que a maior potência é os EUA. 

Exemplo: alguém imagina o pódio do revezamento 4x100m misto do atletismo sem EUA? Ou que os norte-americanos não vençam pelo menos três medalhas nas seis novas provas de 50m estilos da natação? Na ginástica artística, que agora tem prova mista, só um país ganhou medalha nos dois naipes em Paris. Adivinha qual.

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Quando considerados também os esportes incluídos no programa pelo comitê organizador, a conta de novas provas chega a 25. São 25 novas medalhas de ouro para serem distribuídas em um quadro que, em Paris, teve empate entre EUA e China, cada potência com 40. Das novas provas, só em uma (tênis de mesa por equipes misto), os chineses são favoritos — neste caso, muito favoritos.

Mais de 20 das 31 federações internacionais pediram inclusão de novas provas, e a escolha das beneficiadas foi política. Sempre é. A natação pede desde 2004 que os “50m estilos” entrem no programa, mas só agora, na casa dos reis da natação, foram atendidos. No atletismo, sai a prova mista da marcha atlética (a China tem os recordes olímpicos masculino e feminino) e entra o revezamento 4x100m misto (os EUA ganharam cinco medalhas em provas que envolveram corridas de 100m em Paris).

Se a montagem do programa é essencialmente política, o quadro de medalhas, que reflete esse programa, também é. Não à toa ninguém dá mais importância a ele do que os EUA, o país que publica o quadro de medalhas de acordo com suas conveniências, desde que fique sempre em primeiro.

Azar dos Jogos Olímpicos, que perdem a chance de ampliar o hall de atletas que chegam ao nível de campeões (ou medalhistas) olímpicos, apesar de ampliarem o número de medalhas de ouro, de prata e de bronze.

As novidades no programa tendem a mais a acentuar a distância entre os multimedalhistas e o resto do que democratizar o acesso ao pódio. Os bons mesa-tenistas, como Sun Yingsha, poderão voltar da Olimpíada não mais com três medalhas (como foi em Paris), mas quatro. Idem para os melhores velocistas, como Elaine Thompson-Herah, que ganhou três provas em Tóquio e, com o 4x100m misto, poderia ganhar quatro. Uma Simone Biles passa a ser candidata a sete medalhas! Um Caeleb Dressel, também a sete. E só nadando provas de velocidade.

O COI tem um bom ponto de partida para as escolhas que fez: precisa manter o teto de 10.500 credenciais de atletas, o que atrapalha a inclusão de novos esportes — as vagas do breaking foram absorvidas pelo basquete 3×3, que terá mais times.

Mas era possível fazer isso incluindo no programa provas que podem premiar qualidades distintas daquelas já premiadas, como é o caso da escalada, que em Tóquio tinha um evento para premiar o melhor na soma de três provas e em LA28 terá três eventos distintos (três ouros, logo), um para cada prova.

Na natação, quando os programas de treinamento mudarem, talvez atletas diferentes dos que ganham os 100m se destaquem nos 50m. Talvez não. Nessa, o tempo é que vai dizer.

O tiro com arco, para mim, foi quem mostrou o melhor caminho. Em LA28, terá uma competição (equipes mistas) no arco composto, que é diferente do recurvo que Marcus D’Almeida atira. Atletas que antes praticavam uma modalidade não-olímpica agora passam a sonhar com os Jogos.

É claro que existe, também, o fator atratividade. Uma corrida de 4x100m misto vai ser divertida, como é divertida (e caótica) a prova por equipes do taekwondo, que não entrou no programa, e seria divertido o skate vert, ou uma chegada mega apertada após uma prova curta de águas abertas.

A Olimpíada, porém, não pode virar gincana. Kings League é super legal (para os jovens), atrativo, nem por isso caberia uma Olimpíada. É preciso respeitar um mínimo de critério esportivo, de princípios dos Jogos Olímpicos, e não me parece que esse foi o caso. O fetiche o quadro de medalhas prevaleceu.

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